Previdência complementar fica para a última hora
A menos de três semanas do prazo, apenas 31 dos 2.152 entes federativos com Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) implementaram um regime de previdência complementar para os seus servidores. Embora governo e setor esperem uma aceleração dos processos nos próximos meses, o percentual de cumprimento da exigência deve seguir baixo.
Aprovada no fim de 2019, a reforma da Previdência estabeleceu que Estados e municípios com regime próprio deveriam instituir uma previdência complementar em dois anos. Assim, a partir de 13 de novembro, os entes que não tiverem ao menos aprovado o projeto de lei prevendo a criação do regime poderão sofrer sanções como a suspensão das transferências voluntárias de recursos pela União, explica o Ministério do Trabalho e Previdência.
A pasta não trabalha com a possibilidade de extensão desse prazo, disse ao Valor o então subsecretário do Regime de Previdência Complementar, Paulo Valle (recémindicado para a Secretaria do Tesouro Nacional). “A pandemia de certa forma atrasou tudo, mas o prazo de dois anos foi razoável. O que temos visto agora é um movimento muito grande, muitos entes estão nos informando que vão aprovar a lei dentro do prazo.”
Os dados do ministério consideram entes que instituíram ou estão em fase de implementação da previdência complementar. Além disso, segundo a pasta, mais de 600 Estados e municípios informaram que já iniciaram ou concluíram alguma etapa do processo de instituição do regime.
Em relação às leis aprovadas, levantamento do Grupo Mag enviado ao Valor mostra que há ao menos 90 entes com projetos já votados e outros 39 com matérias encaminhadas às respectivas casas legislativas. O diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mag e ex-secretário no antigo Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima, explicou que o ritmo de aprovação das leis foi afetado por fatores como a pandemia e as eleições municipais.
Apesar de o ministério ter publicado um guia e uma minuta de projeto a ser adaptada pelos entes, a velocidade dos processos ficou aquém do esperado nesses dois anos. Mais recentemente, no entanto, os números têm mostrado uma movimentação expressiva dos entes, frisou. Em Salvador, o trabalho é para que o regime esteja em funcionamento até o fim deste ano, afirmou o diretor-geral de previdência da Secretaria de Gestão, Daniel Ribeiro.
As discussões na capital começaram antes da promulgação da PEC, ficaram temporariamente paralisadas devido à pandemia e em maio deste ano foi concluído o processo de seleção da entidade de previdência. O objetivo é atingir mil participantes em quatro anos. A avaliação de Ribeiro é que, após o estabelecimento do prazo de dois anos pela reforma, faltou orientação do governo federal sobre os procedimentos que deveriam ser adotados.
Só a versão mais recente do guia da Secretaria de Previdência, deste ano, detalhou, por exemplo, o processo seletivo. “Trabalhamos um pouco no escuro. Conseguimos concluir, mas tínhamos começado antes. Muitos entes ficaram aguardando uma orientação mais concreta”, afirmou, acrescentando que o município tem auxiliado outros no processo.
O descumprimento do prazo terá impacto sobre a emissão do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP). Além da suspensão de transferências voluntárias, isso pode acarretar em impedimento para celebrar, por exemplo, acordos e contratos, bem como receber empréstimos, avais e subvenções da União; e em suspensão de empréstimos e financiamentos por instituições financeiras federais. Outras sanções podem ser aplicadas pelos tribunais de contas.
O governo trabalha para soltar em breve uma portaria com esclarecimentos em relação às sanções. “Se tiver a lei aprovada, o ente cumpriu a primeira obrigação. Nesse caso, só caberá falar em não regularidade do CRP se contratar um servidor que ganha acima do teto e ainda não tiver o convênio de adesão com alguma entidade”, explicou Valle.
Lima disse que, antes, cerca de 35% dos entes conseguiam o CRP por vias judiciais em caso de não cumprimento de exigências, mas que isso tem mudado após a reforma da Previdência. “É recomendável que os Estados e municípios acelerem a aprovação dos seus projetos”, afirmou. A reforma ampliou o leque de entidades de previdência complementar aptas a ofertar planos a Estados e municípios.
Antes, essa opção estava limitada a entidades fechadas de natureza pública. Após a emenda constitucional, ficaram permitidas entidades fechadas e abertas, no geral. No segundo caso, no entanto, seria necessária uma regulamentação posterior, que não ficou pronta nesses dois anos.
Segundo o ministério, a proposta de atuação das entidades abertas já foi construída no âmbito da Iniciativa Mercado de Capitais (IMK), grupo de trabalho que conta com representantes dos setores público e privado, e está em fase final de análise. Ainda não há estimativa de publicação. De acordo com Valle, o projeto de lei complementar deve trazer uma harmonização entre as regras aplicadas para os dois modelos.
A expectativa é que a criação de regime de previdência complementar para os servidores ajude a reduzir o déficit atuarial dos entes. Com esse regime, a aposentadoria do servidor fica limitada ao teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Se quiser receber mais, terá que contribuir para o regime de previdência complementar.
“Ainda que sob a ótica do direito a previdência seja de caráter facultativo, sob a ótica financeira a adesão à previdência complementar é a melhor opção, pois a paridade contributiva faz com que esse investimento tenha 100% de rentabilidade na largada, somado ao rendimento dos fundos de investimentos”, defende Lima.
Fonte: Valor